Uma das características mais marcantes das escolas de inspiração Reggio Emilia é a chamada Documentação Pedagógica, através da qual os professores registam vários eventos e situações que ocorrem na vida escolar, como uma ferramenta de pesquisa e de reflexão pedagógicas.
Um dos princípios fundamentais desta filosofia pedagógica é precisamente o entendimento de que as Crianças são capazes de construir a sua própria aprendizagem, sendo conduzidas pelos seus interesses para compreender e conhecer mais. Uma pedagogia que reflecte a ideia base de que não há verdades inquestionáveis que devem ser impostas às Crianças, mas sim várias e únicas formas de conhecer e aprender.
Para esta construção da aprendizagem, é essencial o papel do adulto no sentido da sua orientação, e esta documentação permite ao educador registar e apresentar elementos que transmitem o que cada Criança tem pensado, sentido ou avaliado, e ao mesmo tempo seleccionar material e criar um quadro onde se expressam hipóteses sobre as experiências e ideias dessa Criança, com vista, então, à orientação desse processo de aprendizagem.
O objectivo principal é compreender as Crianças valorizando os seus sentimentos, interesses, opiniões e capacidades, fundamentando os respectivos processos de desenvolvimento e ajudando os educadores a compreender os significados que elas atribuem às suas produções.
Pedagogia da Escuta
À semelhança de outros modelos educativos que partem desta visão da Criança que pressupõe um profundo respeito pela sua individualidade e natureza, a documentação pedagógica de inspiração em Reggio Emilia baseia-se essencialmente na observação. É através desta que se permite levantar e conhecer as particularidades, capacidades, formas de se relacionar com o meio e formas de agir em grupo e individualmente, de cada Criança.
É por isso que se refere que a documentação pedagógica nestas escolas se caracteriza por ser uma “Pedagogia da Escuta”. Está em causa uma observação com profunda atenção, cuidado e permanência de todas as realizações da Criança e respectivo registo atento. A Criança é observada e escutada e através desse processo os profissionais aprendem sobre ela e desenvolvem o seu trabalho ajudando-a a comunicar os seus sentimentos e interesses.
A existência de documentos actuais dá às Crianças e aos adultos a oportunidade de reverem e de reflectirem sobre os passos já dados, ao mesmo tempo que garante que os pensamentos dos educadores envolvam sempre reflexão, partilha e diferentes perspectivas.
De certa forma, os materiais da documentação atestam não só o nosso caminho de conhecimento das Crianças, como suportam ainda a ideia de que o educador é um investigador, um estudante, e de que a escola é um centro de pesquisa e de produção de cultura, de participação num processo de construção de valores e de significados.
Segundo Malaguzzi, o idealizador desta filosofia, o educador que sabe como observar, documentar e interpretar os processos, ganha consciência do seu potencial como aprendiz, aprendendo a ensinar.
Observar, Registar e Reflectir é o que é documentar.
Vários Olhares
Na abordagem Reggio Emília o sistema escolar alarga-se ao lar familiar, numa atitude que pretende fazer integrar as famílias na educação das Crianças, através de uma participação activa e através da intervenção e contacto com os registos que fazem parte da documentação pedagógica e que mostram o percurso educativo na escola.
Além disso, e segundo Lars Malaguzzi, a importância da intervenção de vários “olhares” prende-se com a ideia de que cada professor e adulto interpretam de forma diferente os registos documentados, pois fazem-no com a sua cabeça e com o seu coração, temperados pela sua história de vida, experiências, cultura, ou seja, através de um olhar muito próprio e que muitas vezes vê apenas o que quer ver.
Daí a sugestão de que o processo de documentação deva ser concretizado por mais de um educador (coordenador, auxiliar, professor), pois a partilha e reflexão garantem uma maior riqueza e amplitude no olhar.
Mas também as próprias Crianças devem participar neste processo, incentivando a partilha, com vista ao registo das suas memórias e das suas interpretações sobre o que foi trabalho. Mais um ponto de vista que contribuiu e amplia esse olhar sobre a Criança.
Começar a documentar
Incluem-se neste tipo de documentação registos visuais ou auditivos, como notas escritas na forma de relatos, fotografias, vídeos, gravações áudio, transcrições dos comentários das Crianças, trabalhos das Crianças, tudo elementos que possibilitam aos professores, aos pais e às Crianças discutir, interpretar e reflectir conjuntamente sobre a evolução da Criança sob os respectivos pontos de vista, e de fazer escolhas sobre o melhor caminho a seguir tendo em conta essa mesma evolução e interesses.
A experiência e o estudo são o que permitirá desenvolver e afinar este processo de documentação e torna-lo verdadeiramente útil na condução do processo de aprendizagem das Crianças.
É um processo através do qual se acaba por criar um hábito de documentação, uma sensação de conforto na divulgação pública desses registos e o desenvolvimento de um sentido de expressão visual cada vez mais apurado, que conduz então à criação de documentação que reflecte propósitos claros e que expressa os diversos pontos de vista com vista a um ensino e uma aprendizagem mais efectivos.
À partida pode parecer difícil concretizar esta documentação pedagógica, pois, na verdade, implica praticar uma Pedagogia de Escuta através da documentação, num currículo que exige a transmissão de conhecimentos concretos e absolutos aos estudantes. No entanto, há muitas técnicas de documentação que podem ser utilizadas e muito contribuir para respeitar o ritmo e o processo de aprendizagem de cada Criança.
É um tema muito complexo e que exige prática e estudo, que, no entanto, sempre valerá a pena quando interesse final é potenciar um crescimento harmonioso e respeitador de cada Criança.
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