Continuando a nossa partilha de tudo o que aprendemos e absorvemos do Congresso Internacional Montessori, em Praga, hoje trazemos o resumo do que foi mais uma das palestras a que assistimos. O tema desta palestra que tivemos a honra de assistir prendeu-se com a importância da Natureza para as Crianças. Não só da importância de estarem na Natureza, mas de criarem na Natureza, de se conectarem com a Natureza. E para criarem na Natureza, elas vão necessariamente Brincar, a forma pela qual se desenvolvem, se aprendem a auto-regular e a pensar criticamente.
A Natureza e o Brincar podem, por fim, unir-se na Arte. Tal como diz Lev Vygotsky, pensador importante pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectiual das Crianças ocorre em função das interacções sociais e condições de vida, “toda a aprendizagem é Actividade Criativa”, e a Arte torna a aprendizagem visível.”
Esta palestra foi ministrada por Rosemary Quaranta, Guia Montessori com mais de trinta anos de experiência, e Petra Singerhoff-Mohr, professora e Guia numa Escola de Natureza.
Imaginação Social
Esta palestra girou em torno do conceito de “Imaginação Social”, que se define como a “capacidade de respeitar o passado e visualizar o que o mundo poderia ser através de interacções com os outros no meio ambiente”. A Natureza, a Arte e o Brincar são, então, formas de experimentar e cultivar esta Imaginação Social.
O conceito de “Imaginação Social” pode parecer um pouco confuso inicialmente. Natureza, Arte e Brincar oferecem conexões relacionais entre as Crianças e os outros que são fundamentais para o desenvolvimento da Imaginação Social e do sentido de pertença e de espaço de cada uma no Mundo.
É essencial envolvermos as Crianças com a Natureza e com a sua origem. Temos de cuidar do passado, das árvores plantadas pelos nossos antepassados, e do presente para que possamos cuidar do futuro e cultivar esse sentido de responsabilidade. Maria Montessori sempre referiu que não poderemos avançar verdadeiramente para o futuro se não compreendermos verdadeiramente o passado. Não poderemos fazer uma diferença no futuro se não soubemos a história que o antecede. Assim, o conceito de Imaginação Social torna-se muito importante, sempre acompanhado dos seus quatro elementos essenciais: passado, futuro, outros e meio ambiente.
Fala-se muitas vezes na Tarefa Cósmica de estar na Natureza. Todos somos parte do nosso passado, somos parte de onde vimos e o nosso cérebro desenvolve-se através do movimento. O movimento e as emoções estão juntos na biologia de quem já fomos, e, tal como referido por Maria Montessori, a maior forma de inteligência é criar, e embora às vezes possa ser difícil fazer com que as Crianças comecem, assim que começam, não param.
Como podemos ser uma ponte para a Imaginação Social?
Todos sabemos que é através do brincar que as Crianças se desenvolvem, aprendem a lidar com situações, aprendem a relacionar-se com os outros. É por isso essencial perceber como poderemos inspirar as Crianças a brincar e a criar na Natureza, e não apenas a estar na Natureza.
Temos, em primeiro lugar, de questionar quem somos nós na Natureza. Maria Montessori referiu no seu livro O Segredo da Infância, “Quem quiser tornar-se um professor de acordo com o nosso método deve examinar-se a si próprio… esta preparação interior dar-lhe-á o balanço e o equilíbrio de que precisará.” E isto pode aplicar-se a qualquer um de nós.
Não é preciso muito.
Precisamos apenas de ter consciência de que os adultos são o modelo, e de que a Natureza tem absolutamente tudo o que é preciso. “Cada dia é diferente. Cada dia é perfeito. Vemos o mundo através de olhos diferentes, através de diferentes estações, através de diferentes temperaturas, através de diferentes interacções sociais. Os adultos são o modelo, o guia e o barómetro na forma como as Crianças abraçam a Natureza. Se nós gostarmos, também as Crianças irão gostar, mesmo que pareçam ter uma reacção contrária ao início. Se uma Criança não quer ir para a rua porque está frio, porque não incentiva-la mostrando-lhe tudo o que está lá fora, envolvendo-os, acendendo o seu fogo. Mostrem o que podem fazer na neve: as pegadas, fazer pintas com os dedos, a neve torna-se magnifica e deixa de estar frio para a Criança.“
É essencial ajudarmos as Crianças a brincarem na Natureza, pois é através do Brincar que estas se desenvolvem internamente.
“Se os factos são as sementes que irão produzir conhecimento e sabedoria, então as emoções e as impressões dos sentidos são o solo fértil no qual as sementes devem crescer. Os anos da infância são o tempo de preparar o solo.” – Rachel Carson
Conexão com a Natureza
“As nossas vidas tornaram-se de tal forma urbanas e dentro de casa, que muitos de nós raramente passamos tempo na Natureza. Isso não só é uma forma de negligenciar o laço inato com o mundo natural, com sérias consequências para a saúde e bem-estar – muitas vezes conhecido como ‘Défice de Natureza” -, como também é uma das causas para a actual crise ambiental.
Como poderemos ser inspirados para amar e proteger o mundo natural, do qual dependemos para sustentar a vida, se não temos uma experiência directa com isso? Pertencermos ao mundo natural significa que experenciá-lo é vital para nós e para as restantes formas de vida com quem partilhamos o planeta, e a Natureza tem muito para nos ensinar.“
Excerto do Livro The Art of Mindful Birdwatching, de Claire Thompson
Felizmente, a importância do contacto com a Natureza por parte das Crianças é um assunto que tem vindo a ser cada vez mais falado, de mãos dadas com o reconhecimento crescente dos malefícios que vêem da privação que as Crianças têm da Natureza, falando-se inclusivamente de um Transtorno de Défice de Natureza.
Esta presença das Crianças na Natureza é, de facto, vital. Vital para o seu crescimento saudável a nível físico e psicológico. Vital para responder aos seus impulsos de movimento e descoberta. Através da interacção entre Natureza, Arte e Brincar, as Crianças desenvolvem as suas capacidades de auto-regulação e pensamento criativo, sendo vários os estudos que têm vindo a demonstrar o grande envolvimento do cérebro quando as Crianças se conectam com estes três factores à medida que conhecem o mundo.
Na sociedade em que vivemos, onde as novas tecnologias ocupam tanto do nosso tempo, é essencial ensinarmos as Crianças não só a estarem na Natureza, como sobretudo a saberem criar na Natureza, o elemento de conexão que infelizmente se encontra tantas vezes em falta.
Como referimos acima, para que as Crianças encontrem e fixem este elemento de conexão, nós próprios temos de questionar o nosso elemento de conexão com a Natureza, questionar quem somos nós quando estamos na Natureza, pois é a nós que elas vão buscar os seus modelos e a sua inspiração.
“Como é que estamos na Natureza? Como somos quando estamos na Natureza? Vamos para a rua quando chove? Vamos lá para fora durante cinco minutos, dez minutos, todo o dia? Sentimos os flocos de neve a tocar na nossa pele, ou vamos totalmente protegidos para que nada toque na nossa pele? Pensem por um momento. Quem são vocês na Natureza?”
Petra Singerhoff-Mohr defende a importância de fazer todas as actividades no exterior, e assim o faz. Comer, dormir, brincar, aprender, tendo roupas adequadas para todas as condições atmosféricas. “Não há descrição para a beleza que é estar imerso na Natureza com Crianças. Lá permanecer com elas durante todo o dia.”
Quem somos nós na Natureza?
Algumas questões que poderemos colocar a nós próprios podem-nos ajudar neste caminho de ir de encontro às necessidades das Crianças de conexão com a Natureza:
1 – Despertar os Sentidos. Como despertamos os nossos sentidos quando estamos na Natureza connosco próprios ou com as Crianças? Escutamos verdadeiramente? Sentimos o vento? A textura do chão que pisamos? É essencial ensinar as Crianças a despertarem os seus sentidos, e para isso a resposta a esta questão também o é;
2 – Experiências práticas na Natureza. Como é que abraçamos experiências práticas na Natureza? Vamos para o jardim? Praticamos jardinagem? Colocamos as nossas mãos na terra? Envolvemo-nos verdadeiramente com a Natureza? Tal como nos ambientes interiores, é essencial tornarmos o ambiente exterior um Ambiente Preparado para a exploração e descoberta por parte das Crianças;
3 – Estimular a Curiosidade e o Sentido de Descoberta. Como é que alimentamos a nossa curiosidade e sentido de descoberta? Natureza, Arte e Brincar representam o primeiro encontro das Crianças no conhecimento do ambiente que as rodeia. A Criança move-se livremente e cria com as “partes soltas” que encontra no campo, podendo fazer arte com paus, folhas, ervas, pedras ou conchas. A Natureza tem tudo o que é preciso, é absolutamente perfeita, não precisa de nada. Está cheia de partes soltas e por isso não precisamos de as comprar. Estão presentes na Natureza, basta ir até lá e começar a junta-las, começar a criar.
Estar na Natureza também promove um sentido de descoberta: “Cada flor, minhoca e tempestade são novos para a Criança, trazendo questionamento e surpresa. A Criança experimenta no todo, criando memórias sensoriais que nutrem a mente e o corpo para a vida toda. Por exemplo, a primeira vez que uma Criança sente a chuva na pele, coloca as mãos da lama, sente um insecto numa árvore, e tantas outras coisas. Se ela não poder experimentar isto, como poderá conhecer a Natureza e como poderá aprender a cuidar da Natureza? É da nossa responsabilidade possibilitar à Criança a vivência de experiências na Natureza, para permitir que este sentido de descoberta se manifeste.
4 – Sentido de Lugar na Natureza. Como é o nosso sentido de lugar na Natureza? Um sentido de lugar, de espaço provoca um sentimento de pertença e ligação emocional que são necessários para o amor e para a aprendizagem. Sentimos lugar quando sentimos a terra debaixo dos nossos pés. “Quando chove está tudo bem, é apenas água. Quando tomamos banho de manhã é apenas água. Por isso vão lá para fora, sintam o chão e deem verdadeiramente um abraço a uma árvore! Sintam a relva… tudo para ter um lugar de espaço, de lugar, de pertença.”
Porque não espalhar pelo jardim, ou pelo parque perto das nossas casas placas a dizer “Oiçam o Vento”, “Oiçam os Pássaros”, “Sintam a Árvore”. As Crianças encontram facilmente um sentido de pertença e de espaço na Natureza, e nós também devemos estar confortáveis na Natureza e com a Natureza, devemos questionar quanto tempo e como estamos na Natureza, pois as Crianças vão-se guiar por nós. Devemos ouvir, tocar, sentir, respirar Natureza.
5 – Silêncio. Ensinar as Crianças o Silêncio. Para que estejam conscientes de onde estão, para terem respeito pela Natureza e pelo ambiente, para compreenderem e simplesmente para ouvirem. Podemos ensinar-lhes silêncio dentro e fora. Não há regras para ensinar o Silêncio, mas é muito importante para que as Crianças saibam e sintam onde estão;
6 – Roupa adequada para a Natureza. Devemos estar preparados para ir para a Natureza. Ter roupas adequadas para as várias condições atmosféricas é essencial para que as Crianças possam experimentar diferentes sensações.
A Imaginação
A imaginação tem a sua raiz nas experiências sensoriais já vividas, sendo por isso baseada em experiências reais e sociais, e onde o movimento é essencial.
“A imaginação não se torna grande até os seres humanos, em função da sua coragem e perseverança, usarem-na para criar.” – Maria Montessori
“A imaginação é o desenvolvimento de uma consciência superior e está dependente de uma prévia capacidade de distinguir o facto da fantasia.” – Lillard, Montessory Today
“A Criança nutre-se a si própria com verdade, organizando em si mesma a construção da imaginação que cria o belo e o bom.” – The California Lectures
O cérebro é simultaneamente cognitivo e afectivo, e trabalha em pleno quando usamos a nossa imaginação. Maria Montessori não era contra a imaginação pois sabia que a imaginação é um instrumento poderoso para as Crianças. Uma imaginação baseada na realidade, e que melhor realidade existe do que a Natureza?
Os elementos de uma Árvore – Os elementos da importância da Natureza, Arte e Brincar
Raiz – A importância de as Crianças estarem conectadas com a Natureza
Assim, é essencial as Crianças estarem conectadas com a Natureza para se sentirem equilibradas e bem. Existem diversos sintomas da desconexão que as Crianças e os adultos tantas vezes sentem:
- Falta de sentido de questionamento e de curiosidade;
- Sentidos pouco estimulados;
- Aprendizagem não conectada;
- Individualismo;
- Doença;
- Transtorno de Deficit de Natureza;
- Ecofobia (Crianças que não querem estar na Natureza);
- Injustiça ambiental e social.
Devemos promover a conexão das Crianças na Natureza e a Biofilia (Amor pela Natureza), para que se possam auto-regular (factor essencial à aprendizagem) e ter verdadeira alegria em aprender. Maria Montessori sempre enfatizou a importância da Natureza na Educação, sublinhando que, com isso, a Criança:
- Torna-se um observador dos fenómenos da vida;
- Começa a cuidar do ambiente e aprende a tornar-se vigilante;
- Aprende as virtudes da paciência e da fé e desenvolve um sentido de confiante expectativa;
- Inspira-se através de um sentimento pela Natureza;
- Segue o desenvolvimento natural da raça humana.
Tronco – Aprendizagem através do Brincar (Playfull Learning)
“A acção na esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação de intenções voluntárias, e a formação de planos e motivações da vida real – tudo surge no brincar e faz desta actividade o maior nível de desenvolvimento no pré-escolar”
Vygotsky
Torna-se aqui interessante observar os estágios Cognitivos do Brincar (desenvolvidos por Jean Piaget e adaptados por Smilansky):
- Dos 0 aos 2 anos: Brincadeira Funcional ou Motoro-Sensorial: caracteriza-se pela repetição de acções através das capacidades físicas e sensoriais da Criança, pelas quais explora o ambiente e o seu próprio corpo;
- A partir dos 2 anos: Brincadeira Simbólica: a Criança usa um objecto para representar outro, o que significa uma alteração significativa no seu pensamento, pois passam a usar representações internas ou ideias. Smilansky divide este estágio entre Brincadeira Construtiva (a Criança manipula objectos com o propósito de atingir um resultado) e Brincadeira Dramática (similar à Brincadeira Simbólica de Piaget, mas que também inclui jogos onde são imaginadas situações e assumidos diversos papeis);
- A partir dos 6 anos: Jogos com regras. As Crianças passam a estar envolvidas em jogos e brincadeiras mais complexos e estruturados em regras.
Brincar na Natureza é, então, de uma enorme importância para as Crianças. Por esse motivo, as actividades que têm lugar no pré-escolar estão repletas de movimento, imaginação, exploração e socialização.
A brincadeira dramática, pela qual as Crianças imaginam situações e assumem papeis, promove oportunidades de auto-regulação: a auto-regulação previne o insucesso escolar melhor que o QI e tem uma influencia directa no córtex frontal do cérebro que controla a auto-regulação (função executiva). Este tipo de brincadeira encoraja um controlo consciente dos movimento, a utilização da memória de trabalho e flexibilidade cognitiva.
Coroa – Trabalho Criativo
Por fim segue-se a copa da árvore, também conhecida por coroa. “Toda a aprendizagem é Actividade Criativa”.
“A Arte é a musa que nos desperta do nosso sono, inspirando pessoas, grupos, comunidades e culturas a conquistar o passado e avançar para o Futuro!”
Vygotsky & Creativity
Seguem-se alguns exemplos de criações que podemos fazer na Natureza, e que nos poderão servir de inspiração para muitas outras actividades que podemos fazer com as Crianças:
- Envolver uma árvore com tecido;
- Encontrar paus de vários tamanhos, colocar uma forma geométrica no meio, e começar a colocar os paus à volta da forma em triângulos cada vez maiores. No final, retirar a forma e observar o resultado;
- Coleccionar folhas amarelas e fazer uma cama em volta de uma forma circular com distância da forma de aproximadamente 15 cm. Também se podem coleccionar paus e adiciona-los à obra de arte. Retira-se a forma no fim.
- Criar materiais com a Natureza;
- Trabalhar madeira;
- Coleccionar folhas de várias cores, escolhe-las, organiza-las ou misutra-las,
- Criar quadros ou objectos;
- Observar com uma lupa;
- Fazer um buraco utilizando um balde e/ou uma pá;
- Encontrar um local silenciososo e praticar a arte do silencio com os mais pequenos;
- Utilizar cartões com diferentes cores e procurar cores correspondentes na Natureza;
- Organizar uma caça ao tesouro é uma excelente forma de os ajudar a explorar a Natureza, ao mesmo tempo que se divertem;
- Utilizar paus de vários tamanhos para criar arte;
- Fazer gelo colorido.
Também podemos trazer a Natureza para dentro de casa ou da sala de aula. Porque não coleccionar plantas, folhas e flores secas? Há imensas actividades possíveis de fazer com estes elementos da Natureza. Seguem alguns exemplos:
- Pintura de folhas;
- Pintura de pontos com paus;
- Pintar com erva ou folhas;
- Tabuleiros com areia com objectos da Natureza dispostos;
- Arranjos de folhas secas;
- Construir ou tecer com paus;
- Encontrar livros com boas imagens da Natureza;
- Livros com poemas sobre Natureza.
Abraçar experiências práticas como estas promove a colaboração, a conexão, o sentido de comunidade, a consideração dos outros, o cuidar, a tolerância, o respeito, a empatia.
2 Comments
Encantada com o bloque.
Grata pela partilha.
Abraco apertado
Muito gratas Mary! 🙂