0
Desenvolvimento Educar para a Paz Lifestyle Modelos Pedagógicos Alternativos Pedagogia Montessori

Montessori & Transformação do Adulto

12 de Outubro, 2022

Maria Montessori dedicou a sua vida a observar o processo natural de desenvolvimento humano.

Dedicou a sua vida a observar as Crianças de um ponto de vista despido de preconceitos, que visou uma compreensão revolucionária da Infância com suporte científico, sendo por isso compreensível que tudo o que Maria Montessori observou sobre o desenvolvimento humano se tem vindo a comprovar através das mais avançadas tecnologias em termos de investigação e pesquisa. 

Maria Montessori observou Crianças em todo o mundo, de todas as idades, de todas as culturas e contextos, e, dessa forma, como a própria refere, “descobriu a Criança”. Compreendeu que independentemente das circunstâncias, todas as Crianças passam por um processo de desenvolvimento natural semelhante em termos de necessidades e características. Um processo Universal.

Da mesma forma que compreendemos e vemos que para os animais, desde o nascimento até à maturidade, estamos na presença de um processo de ganho sucessivo de níveis de independência rumo à total autonomia, o mesmo se passa com o Ser Humano. Desde que nasce até que atinge a idade adulta, a Natureza conduz o Ser Humano em ganhos sucessivos e específicos de independência, rumo à sua total autonomia uma vez chegado à idade adulta.

Outro facto muito interessante e de importância crucial, e até revolucionária, que Maria Montessori observou, foi que essa conquista de independência atravessa sucessivos estágios, que são também constantes para todos os Seres Humanos, integrando a sua ordem de desenvolvimento biológica, natural. As Crianças atravessam aquilo a que chamou de Planos de Desenvolvimento, sendo que em cada Plano se busca um tipo de independência muito específico. 

São quatro esses Planos, e podem ser resumidos da seguinte forma:

  • 0-6 Anos – Mente Absorvente que busca a Independência Funcional – “Ajuda-me a fazer sozinho”
  • 6-12 Anos – Mente Racional que busca a Independência Intelectual – “Ajuda-me a pensar sozinho”
  • 12-18 anos – Mente Humanista, que busca a Independência Económica e Social – “Ajuda-me a pensar contigo”
  • 18-24 anos – Mente Especialista, que busca as Independências Espiritual e Moral – “O que posso fazer por ti?”

Não obstante a passagem de um Plano para o outro ser feita de forma gradual, uma vez “instalado” em pleno o novo Plano, surge um novo indivíduo diante de nós, materializando-se essa diferença em termos de características e necessidades físicas, emocionais, espirituais, cognitivas, sociais, totalmente diferentes entre si, bem como por um conjunto de sensibilidades tendentes à aquisição de cada uma dessas Independências.

Compreende-se por isso que o entendimento e conhecimento das especificidades de cado Plano é crucial para uma educação que trabalhe com a Natureza, ao invés de uma educação que trabalhe contra ela. Uma “educação como ajuda à vida”. 

E o que tem isto a ver com o “processo de cura interior”?

  1. A absorção da Cultura Educacional

No primeiro Plano, desde o nascimento até aos seis anos, a Criança busca a sua Independência Funcional. Se pensarmos num recém-nascido e numa Criança de 6 anos, compreendemos Maria Montessori quando nos diz que é aqui que o Homem se constrói. Dizia inclusivamente que a Criança deste Plano é o “pai do Homem”.  

A Criança busca e absorve a forma de funcionar, de estar, neste tempo, neste espaço e nesta cultura, através da chamada Adaptação, e isto inclui aspetos físicos/materiais associados ao assegurar da vivência diária, quotidiana, em termos práticos, mas também aspetos imateriais/emocionais relacionadas com a gestão das emoções, reações e comportamentos sociais, bem como crenças sobre si própria e sobre o mundo.

Aos seis anos o Homem encontra-se formado. A partir daí, aprofunda-se o seu desenvolvimento.

É, assim, a fase mais importante do desenvolvimento humano em termos de estabelecimento de quem este concreto Ser se vai tornar, ou de que forma o seu potencial se irá manifestar, ou não manifestar. Sendo então certo e provado que é durante os primeiros anos de vida que as bases e as fundações da personalidade humana se formam, se é aí que cada novo Ser encarna em si, e literalmente nas suas estruturas cerebrais, a “forma” como se fazem as coisas, a “forma” como o que faz parte da vida é, então naturalmente que também absorve, interioriza e integra a forma como se educa, como se lida com Crianças, como se é pai ou mãe, como se é educador. Absorvemos também e naturalmente a cultura educacional.

  • Os Novos Tempos em que nos Encontramos

Por outro lado, vivemos uma Nova Era, independentemente da conotação espiritual que lhe possamos dar. Se após uma época de escassez, os valores predominantes eram o carácter, o ter (um curso superior, uma casa, dinheiro, um carro), o sustentar uma família, o trabalhar arduamente, a disciplina, hoje em dia os valores mudaram inquestionavelmente.

Estes novos tempos caracterizam-se pela valorização crescente da essência da personalidade humana, do Ser, e por uma vivência em harmonia com essa essência que é única em cada um.

A própria Maria Montessori reconheceu que a crise que vivemos reflete uma transição que só acontece com o surgimento de condições capazes de suportar uma verdadeira nova Era Biológico ou Geológica com novas forma de vida, superiores e mais perfeitas (Educação e a Paz). 

A nossa admiração recai agora sobre quem é capaz de inovar, criar, sobre quem é capaz de conhecer e seguir a sua essência, a sua paixão, sobre quem é capaz de seguir a sua alma e viver uma vida de realização pessoal, criatividade, empreendimento, uma vida “cheia de vida”! Quem tem a coragem de largar tudo e viver um novo propósito, quem tem a coragem de se conectar ao mundo natural, quem tem a coragem de dizer não à pressão social, e dizer sim a si mesmo. Para quem tem a coragem de olhar para dentro, e reconhecer a indissociabilidade da Verdade interior com o estar e ser Paz. 

Esta vivência, por seu turno, desagua necessariamente na tolerância, na compreensão, na empatia, na compaixão, pois não é cliché que quando estamos bem connosco, estamos bem com o mundo. Este é assim um caminho para a Paz

Naturalmente que um paradigma educacional de outros tempos não serve mais os propósitos desta nova Era de valores que surge e que veio para ficar. E é a consciência disto que leva cada vez mais pessoas a procuram alternativas. Não só em termos educacionais, como em termos pessoais, de evolução, de mudança, de transformação interior e da própria vida.

Para todos aqueles que lidam com as Crianças, a busca dos chamados Métodos Pedagógicos Alternativos representa uma resposta à procura de uma alternativa pedagógica que vá ao encontro desses novos valores, e que torne as Crianças capazes de uma tal vivência em Paz no seu mais amplo sentido. 

Agora. Dois pratos encontram-se numa mesma balança: de um lado, o facto de todos sermos personalidades fundadas com base em experiências e numa cultura educacional que “educou” para os antigos valores e que possivelmente atravessou e interiorizou respostas a situações traumáticas, nos seus mais variados sentidos. Do outro lado, o desejo de fazer diferente com as nossas Crianças. 

A Reprodução da nossa Infância

É precisamente pelo facto de todos termos sido Mentes Absorventes, de todos sermos um fruto maduro da nossa Infância, que por vezes se torna tão desafiante não regressar à Infância na hora de educar. Sobretudo nos momentos mais desafiantes.

E é também precisamente por isso que o conhecimento e o contacto com a Infância, nesta sua visão totalmente renovada, é um convite à cura interior. Porque a Parentalidade, e até a relação com as Crianças em contexto profissional, faz surgir em nós toda a nossa Infância, e nos coloca de frente com ela, pois não nos podemos esquecer que essa Infância tem um lugar cativo em quem nós somos, em como nós reagimos.

Observa-te por um momento. Observa a relação que tens com as tuas Crianças. Observa o tipo de reações que originam em ti. 

O que estás a reproduzir, mesmo que não assuma os exatos contornos? Quantas vezes te encontras a agir não desse lugar de consciência atual, mas a partir da tua própria Infância? O que te estão as tuas Crianças a mostrar sobre ti próprio? Sobre a tua Infância? Sobre a Criança que foste?

,A Transformação do Adulto

Maria Montessori dizia que havia duas alturas para de certa forma contrabalançar eventuais situações menos positivas vividas nos primeiros anos de vida: durante o período dos 3 aos 6 anos e durante a Adolescência. Arriscamos a acrescentar que o dia em que nos tornamos Pais ou Educadores, é uma outra oportunidade que a Natureza nos dá neste caminho de transformação interior. Um convite a uma transformação rumo ao encontro de nós mesmos, rumo ao resgate na nossa essência.

Montessori é muito mais do que os materiais ou um bonito ambiente preparado. Estes são efetivamente aspetos muito importantes do ponto de vista da aplicação geral da abordagem pedagógica e de ir ao encontro das necessidades de desenvolvimento das Crianças. São, na verdade, possivelmente os aspetos que nos atraem os olhos para esta alternativa. Mas chega o momento em que por mais conhecimento técnico que tenhamos, por mais bonito que seja o ambiente que preparamos para as nossas Crianças, de pouco nos vão valer pois é a nossa Infância que surge e que nos modela, na hora de agir.

Incluem-se aqui também aspetos relacionados com a própria cultura educacional sustentada pela estrutura social em que vivemos. Aspetos que enfraquecem, que quebram a Criança, e que surgem diretamente no nosso pedestal de Adultos (dos conceitos de Adultismo e de Adultocentrismo tão maravilhosamente trabalhados e sintetizados por Gabriel Salomão). Uma cultura que olha para as Crianças como sendo menos que os Adultos (menos importantes, menos dignas). 

Vivemos ainda numa sociedade tão cheia de ter, que coloca o Ser Humano em modo de sobrevivência. E em modo de sobrevivência atacamos ou fugimos, deixando pouca margem para uma “educação como ajuda à Vida”. Em modo de sobrevivência é ao Adultismo que regressamos, é a nossa Infância que regressamos, perpetuando o ciclo que queremos precisamente quebrar.

Assim, Montessori convida-nos a olhar para a Infância de um ponto de vista totalmente renovado: conhecer e compreender a Infância como forma de irmos ao encontro daquilo que queremos transmitir às nossas Crianças, ao mesmo tempo que ganhamos consciência do impacto que a nossa própria Infância teve e tem em nós, seja na vivência geral, como na vivência enquanto educadores. E, por fim, na consciência do papel que temos enquanto modelos que as Crianças vão integrar para o resto das suas vidas. 

Como processar esta Transformação?

Aqui a Observação e o trabalho de cura interior são chave. 

Maria Montessori referia vezes sem conta que a implementação prática deste novo olhar sobre a Criança, deste ir ao encontro da Natureza em termos gerais e em termos individuais, depende da Observação. E esta Observação não é unicamente a observação das Crianças e a compreensão daquilo que ela precisa em cada momento para fazer surgir o seu potencial. É também a observação de nós próprios, para também compreendermos e ganharmos consciência de quando é que estamos a agir a partir da Infância, e não a partir da melhor versão de nós mesmos, da nossa verdadeira essência e consciência.

E para que isso seja possível, então não há alternativa a não ser a de sair do tal modo de sobrevivência que a sociedade nos impõe de forma tão normalizada. Como poderemos ser os modelos que queremos tanto ser, como poderemos proporcionar as oportunidades que queremos tanto proporcionar, se o lugar da nossa consciência não tem tempo para nos guiar?

Tudo isto conduz-nos a um único lugar: ao lugar do amor-próprio, pois só a partir daí poderemos curar as nossas feridas, poderemos dizer não ao que não faz mais sentido, podemos ganhar consciência e perdoar a Infância que temos em nós, e renascer rumo ao Ser, ao ser que é único para cada um de nós. O amor-próprio que nos faz olhar para dentro e, aos poucos, regressar também à nossa essência. 

E é por isso que Montessori se relaciona tanto e também com o processo de cura interior. A própria referia que mais do que a preparação física, intelectual e técnica do Adulto Preparado, vem a sua preparação espiritual, pois só dessa forma poderemos quebrar o ciclo dos padrões que não queremos transmitir, e tornar-nos os modelos para as nossas Crianças: sermos um exemplo de transformação com base na consciência e com base na transformação interior rumo ao nosso amor-próprio.

Não somos superiores. Somos duas espécies diferentes dentro da raça humana, e as Crianças precisam de nós, da mesma forma que nós precisamos das Crianças. Que possamos acolher no nosso coração a humildade para olha-las nos olhos e compreender a dádiva da Natureza e a oportunidade que temos diante de nós.

Nós amamos as Crianças. Mas quando esse Amor surge puro dos nossos corações, por partir de um lugar de um Amor que começa em nós, então dentro desse Amor próprio vai abrir-se um lugar muito especial para amarmos verdadeiramente as Crianças e aproveitarmos a dádiva que elas representam na nossa Vida e na Humanidade.

You Might Also Like

No Comments

Leave a Reply

Siga-nos no Instagram!