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Montessori e a Criança dos 6 aos 12 anos – Uma nova Mente, um novo Ser

19 de Maio, 2022

A Mente Racional, o Fortalecimento Físico e o “Afastamento da Família”  

Maria Montessori, através das suas observações, notou que há específicos estágios mentais (planos de desenvolvimento) que se sucedem desde o período do nascimento até aos 24 anos, sendo cada um substancialmente diferente dos demais, tendo em consideração o tipo de Independência construído em cada um deles. 

A passagem de um plano ao que lhe segue representa um processo de renascimento, o que significa que a Criança é a mesma, mas é um Ser Humano muito diferente em termos de características, sensibilidades e necessidades.

A abordagem Montessori é amplamente conhecida no que toca ao primeiro plano de desenvolvimento (dos 0 aos 6 anos), onde encontramos ambientes preparados e materiais que respiram ordem, calma, trabalho individual, beleza, organização, simplicidade, e Crianças a desenvolver aspetos muito concretos da sua Independência Funcional. Mas com o surgimento do segundo plano tudo muda: a Criança por volta dos seis anos vai parecer diferente porque a Criança é diferente, sendo uma transformação que pode ser desafiante para os pais e demais membros familiares que se podem deparar com momentos onde sentem não reconhecer este novo Ser.

Desta forma, conhecer e compreender esta transformação que integra o natural processo de desenvolvimento humano é essencial não só para harmonizar a nossa resposta rumo a uma Educação para a Paz, mas também de forma a não tomar estas transformações pessoalmente. 

A mudança para o Segundo Plano: independência funcional e mudanças físicas

A mudança do primeiro para o segundo plano de desenvolvimento acontece por volta dos seis anos, embora naturalmente não aconteça no dia de aniversário. É uma mudança ou renascimento gradual, chegando a um certo ponto onde iremos reconhecer que temos uma Criança tipicamente enquadrada nas características e sensibilidades do segundo plano, desaparecendo completamente as características que reconhecíamos anteriormente. Temos um novo Ser diante de nós.

Durante os primeiros seis anos, graças às capacidades mentais atribuídas pela Mente Absorvente, a Criança adquiriu a sua independência funcional (comunicação, linguagem, movimento coordenado e independente, ações de cuidado pessoal e do ambiente, entre outras habilidades inerentes à integração funcional no seu tempo e no seu espaço). Podemos dizer que, funcionalmente, a Criança é agora capaz de viver de forma independente, cuidar de si e até de irmãos mais novos. É capaz de sobreviver sozinha em termos funcionais.

Para além independência naturalmente alcançada, são igualmente notórias mudanças físicas que ajudam a reconhecer a mudança para um novo plano.

A Criança do primeiro plano é mais pequena e com maiores níveis de gordura que a protegem em caso de doença ou quando fica alguns períodos sem comer. Nesta nova fase as Crianças começassem de certa forma a “esticar” em termos de estrutura e dos membros, sendo um processo contínuo por todo o segundo plano até à Adolescência. Outras mudanças físicas referem-se ao fortalecimento do cabelo, e também à queda dos dentes de leite, que é das mudanças mais evidentes.

O Surgimento da Mente Racional

Os poderes da Mente Absorvente vão dar lugar a um novo tipo de Mente: a Mente Racional, aquela que irá sempre permanecer, e no âmbito da qual surge o pensamento lógico, a capacidade de fazer juízos e o pensamento abstrato. 

Neste sentido, naturalmente que os ambientes onde a Criança se move terão de sofrer alterações com vista à criação de diferentes formas de trabalhar com esta Criança que agora serve o desenvolvimento desta Mente Racional.

Naturalmente que não suporta o desenvolvimento desta busca de Independência Intelectual ditar às Crianças exatamente aquilo que têm de aprender, quando e como, ou fornecer todas as respostas à sua infindável sede de conhecimento. Um ambiente que suporta esta nova fase é antes um ambiente que a conduz a Criança na aprendizagem de como trabalhar, pensar e tomar decisões por si própria e em grupo, para que possa aprender qualquer coisa e tomar decisões por si própria e em comunidade para o resto da vida. Sendo isto que esta Criança busca, promover a expansão deste desejo é Educar para a Paz agora, e no futuro. 

Mesmo que numa sala Montessori 6-9 se possam utilizar materiais existentes num ambiente dos 3 aos 6, a sua utilização será de forma muito diferente porque agora vão suportar o pensamento racional. O objetivo agora é despertar e potenciar os interesses da Criança que se transformam em pequenos cientistas que querem saber absolutamente tudo sobre o Universo, a Vida e o Mundo, e, considerando-se as demais características e contornos das Tendências Humanas nesta fase do desenvolvimento, promove-se que procurem por si as respostas e que deem asas à sua incrível sensibilidade à Imaginação, não havendo limites à aprendizagem nesta fase. 

Da Introversão à Extroversão

Maria Montessori falava das Crianças do primeiro plano como sendo de “introvertidas”, não no sentido de alguém que não goste de socializar por exemplo, mas sim no sentido de que essa Criança do primeiro plano se está a contruir a si própria através das interações com o ambiente, acabando por ser muito focada em si mesma, sendo guiada pela Natureza nesse sentido. 

Quando chegamos ao segundo plano podemos chamar a Criança de “extrovertida”, mais uma vez não no sentido da pessoa que gosta de conhecer outras, mas sim no sentido de agora começar a olhar para fora porque já se tendo construído, deseja agora conhecer os outros, o mundo e interagir.

A habilidade da Criança para transitar dessa introversão para extraversão é baseada não apenas nesse trabalho de autoconstrução que atravessou, mas também no facto de ter crescido com o amor e suporte da família. Aos seis anos quando começam a olhar para o mundo exterior sabem que essa família estará sempre lá para as apoiar. Têm essa segurança garantida. 

Neste impulso natural à extroversão com base na segurança das suas relações familiares, as Crianças do segundo plano deixam, assim, de querer estar tanto com a família como anteriormente. E este é normalmente um dos pontos de mais difícil aceitação para muitos pais, mas cuja compreensão pode mudar completamente a forma como se sentem em relação a este “Afastamento”. 

Se pensarmos nas Crianças do primeiro plano sabemos que são Crianças que adoecem mais facilmente (tosses, gripes, constipações), o que se justifica porque durante este período de desenvolvimento o corpo físico da Criança está a desenvolver as imunidades que antes do nascimento eram asseguradas pela mãe. 

Agora as Crianças fortalecem-se fisicamente (sendo uma das características mais evidentes a apontar), são mais resistentes, mas também conseguem superar-se ainda mais do ponto de vista físico, sendo capazes de carregar coisas mais pesadas, caminhar longas distâncias, são mais coordenadas e por isso podem escalar, entre outras atividades desta natureza.

E este fortalecimento físico relaciona-se precisamente com esta extroversão, com este “ir para o mundo fora da família”, porque se vão começar a lidar com esse mundo, então têm de estar mais fortes. 

“Afastamento” da Família

Perante esta extroversão e este fortalecimento físico que suportam a Criança no início de uma nova busca na sua jornada de desenvolvimento, fica igualmente mais fácil compreender uma das características mais evidentes deste plano de desenvolvimento e que se manifesta de diversas formas: a necessidade da Criança de se “separar” da família. 

Não significa que queriam sair de casa, mas sim que querem passar mais tempo com amigos e fazer coisas na companhia dos colegas sem ter Adultos à volta, como sejam os pais. Há um sentido de independência social que surge nesta fase, e o seu fortalecimento interior e exterior suporta esta necessidade. 

Outra manifestação desta característica é o surgimento da chamada Idade da Rudeza. As Crianças tornam-se mais rudes, não são tão educadas. É como se a Natureza lhes estivesse a dizer que têm de ser fortes para sobreviver nesse mundo exterior. Neste sentido, é também aqui que surgem as piadas sobre tudo o que esteja relacionado com ir à casa de banho, vomitar, as Crianças adoram este tipo de piadas.

Outro aspeto que notamos é que não quererem mais ser tratados como bebés, mas sim vistas e tratadas como fortes. Se uma Criança de três anos ao cair e esfolar o joelho chora e vai ter com os pais ou espera que estes vão ter com ela, e cuidem dela, uma Criança do segundo plano que passe pela mesma situação pode chorar, mas não quer mais ajuda nos mesmos termos. Se vão ter com o Adulto é porque são responsáveis e podem precisar de ajuda para limpar, mas nada mais. O papel do Adulto deverá ser sempre o de questionar se quer ajuda a limpar ou se pode fazer alguma coisa por ela. Mas não querem mais que os ajudem ou consolem como antes. Querem que as pessoas vejam como são fortes.

Além destes aspetos, estas Crianças por serem mais fortes e duras, querem estar mais vezes longe, querem ter liberdade. Partir em grupos para aventuras, montar tendas, explorar. O tipo de aventuras que vemos naqueles clássicos que os apaixonam como “Os Cinco”, “Os Sete”, ou “Uma Aventura”, que relatam histórias de grupos de Crianças que vão para fora viver aventuras. Estes são os tipos de aventuras que as Crianças querem viver. É certo que este tipo de experiência na sociedade moderna urbana não é tão fácil e possível, mas refletir numa forma de torna-lo possível será uma importante forma de suporte desta característica e necessidade inata de desenvolvimento.

Outra particularidade evidente é a falta de ordem generalizada. Se para as Crianças do primeiro plano a ordem é algo essencial ao seu processo de absorção e assimilação da realidade, as do segundo plano já não precisam dessa ordem física e tornam-se com isso muito mais desordenadas (desarrumadas), o que só tem tendência a piorar com o tempo. Por outro lado, estas Crianças também já não são tão limpas com as roupas, querem começar a ser elas a tratar do seu cabelo e seguir o grupo. 

Mais uma vez são tudo sinais onde ela nos diz “quero tomar conta de mim mesma, não preciso que tomes conta de mim”, sendo certo que naturalmente ao faze-lo ainda não fazem com os standards considerados aceitáveis pelos Adultos. 

Outra faceta que podemos notar em relação à Afastamento da família é que as Crianças do segundo plano querem começar a preparar comida por elas próprias. Se anteriormente as Crianças apreciavam pequenas e simples atividades de preparação de comida, com tudo o que precisavam devidamente ordenado (tirar casca da fruta e comer, espalhar manteiga no pão, etc.), agora é diferente perante este impulso natural que lhes intui “tens de aprender a tomar conta de ti”. 

E por esse motivo o ambiente deve ser preparado de uma forma que potencie e respeite essa vontade, de forma naturalmente segura. Nas escolas, por exemplo, é sempre benéfico organizar atividades de grupo onde as Crianças preparam comida que pode ser vendida para angariação de fundos ou até mesmo para todos os colegas. 

São atividades que não só suportam esta necessidade e características, mas também, e ao mesmo tempo, promovem e suportam o desenvolvimento da Mente Racional, dando-lhes a oportunidade de trabalharem a autonomia e de se relacionarem com os seus pares numa dinâmica onde a intervenção do Adulto é a mínima possível, o que é tão importante e apreciado nesta fase. O que vão cozinhar? Do que precisam? Onde comprar? Que utensílios vão arranjar? Quem irá fazer o quê? Como irão dividir o trabalho? Quanto dinheiro precisam para as compras? Como vão arranjar esse dinheiro? Como chegar até à loja? 

Em Montessori existe uma prática designada de “Saídas para o Exterior”, onde se dá margem ao desenvolvimento de um imenso conjunto de habilidades (como fazer telefonemas, como pesquisar valores, como chegar a um local, como agendar, como enviar e-mails, do que é necessário, etc.), onde se permite que as Crianças desenvolvam essas competências, e de uma forma que sintam as consequências das suas ações para que a aprendizagem seja efetiva (por exemplo: chegar ao supermercado sem dinheiro suficiente; perder o autocarro porque estão na conversa ou apanhar o autocarro errado; ir a uma loja ou espaço que está fechado naquele dia). Aos guias, aos pais, cabe apenas uma função: a de garantir a sua segurança. Se fizermos tudo por eles e lhes dissermos todos os passos, de que forma vão desenvolver a capacidade de fazerem por eles próprios?

Mas se falarmos em casa precisamos de tornar possível que usem a cozinha de forma bem-sucedida, o que pode ser desafiante se existir muita preocupação com a cozinha e as coisas que lá estão. É sempre possível encontrar soluções de compromisso: pode-se permitir que a Criança comece a fazer o seu pequeno-almoço durante a semana, e o almoço ao fim-de-semana, ou preparar o jantar de família às sextas-feiras. Desta forma damos margem a que explorem o seu desejo de independência, devendo os Adultos estar cientes de que os resultados não vão estar necessariamente ao nível por si desejado. 

Limites Consistentes e Soluções de Compromisso

Perante estas características que surgem, é essencial manter a consistência e clareza dos limites, ao mesmo tempo que se procuram encontrar soluções de compromisso com a Criança, dando-lhe oportunidade de se sentir respeitada e ouvida. 

De um modo geral, os três conhecidos limites da abordagem Montessori (“podes fazer desde que: 1. Não te possa fazer mal, 2. Não possa fazer mal às outras pessoas ou seres vivos, e que 3. Não possa danificar o ambiente”), constituem um fator de apaziguamento não só para os Adultos que lidam com as Crianças, mas para as próprias Crianças que, assim, adquirem a tão desejada liberdade, dentro de limites que lhes conferem segurança. 

Por outro lado, há que não esquecer as regras de convivência geral, que também devem ser claras e consistentes. Por exemplo, se falarmos de desarrumação ou da rudeza, sim o quarto pode estar desarrumado, mas nas áreas comuns é uma regra deixar tudo arrumado. Com ambas as situações precisamos de pensar onde é que só afeta a Criança ou onde também afeta os outros. Por isso, talvez as Crianças sejam naturalmente menos cuidadas com elas próprias ou rudes, mas esperamos que agradeçam quando necessário ou que lavem as mãos antes das refeições, por exemplo. 

E este princípio pode-se aplicar a tudo, numa busca de equilíbrio onde podemos suportar essas características naturais sem os fazer depender de nós, mas ao mesmo faze-los pensar e perceber que também são parte da comunidade e quando toca a interagir com os outros, tem de haver dar e receber.

Por outro lado, em determinadas situações, pode ser vantajoso praticar o debate respeitoso e procurar soluções de compromisso. Com isso demonstramos uma prática essencial para uma convivência pacífica, ao mesmo tempo que os ensinamos a ceder, cedendo, e lhes damos espaço para se sentirem respeitados e valorizados, sentimento tão importante nesta fase onde se sentem como pequenos Adultos e onde a sensibilidade para a Justiça é tão aguçada.

É de facto fascinante compreender todas as mudanças que ocorrem de plano para plano de desenvolvimento. Ao lado destas características tão marcantes, existem muitas outras como sejam o Desenvolvimento da Moralidade, a Imaginação Ativa, o Instinto de Grupo, o Culto dos Heróis, entre outras. E uma coisa é certa: esta compreensão permite um acolhimento da Criança que irá promover o seu florescimento enquanto pessoas, mas também das características humanas inatas e essenciais à Paz. Conhecer a Criança é Educar para a Paz. 

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