“Sem movimento não há progresso nem saúde mental.”
(Montessori, Educar para um novo mundo, 41)
Todos compreendemos o que é o movimento, mas será que sabemos toda a filosofia que existe por detrás deste conceito? Uma Criança ao não conseguir permanecer quieta, será apenas muito activa ou está a seguir uma necessidade vital que faz parte do seu processo de desenvolvimento físico e psíquico?
“Se deseja dar à criança os meios para o seu desenvolvimento, deve da-los de uma forma em que a criança possa, e deva, mover-se… Em todos os seus livros, leituras, conversações, Montessori volta incessantemente ao grande tema da importância do movimento.”
(E.M. Standing Maria Montessori, Her Life and Work)
O Movimento como Expressão da Mente – Movimento & Aprendizagem
Maria Montessori observou e documentou que o movimento é um conceito muito complexo, que está relacionado com outras questões de máxima importância.
O movimento é a expressão superior da mente, isto é, a mente pensa, actua sobre o sistema nervoso e a sua última expressão é o movimento. O desenvolvimento da mente e da inteligência está, então, directamente relacionado com o movimento.
Encontra-se um exemplo muito concreto desta constatação nas situações em que se quer aprender um receita. Na maioria dos casos, a aprendizagem é muito mais eficaz quando se concretiza a receita, do que quando simplesmente se lê a receita. A nossa mente apreende de forma muito mais concreta quando realizamos uma acção. O movimento ajuda a mente a clarificar, a apreender, e isto é universal, acontece em qualquer parte do mundo, com qualquer pessoa, de qualquer idade.
Aquilo que foi mencionado por Maria Montessori há décadas atrás, tem vindo a ser reconhecido pela Neurociência, que, através de vários estudos, tem vindo a demonstrar a importância do movimento na vida do Ser Humano, garantindo que em movimento, em acção, o indivíduo aprende e retém mais, porque dessa forma aprende ao mesmo tempo que “alimenta” o cérebro.
A forma como as Crianças aprendem está, então, intimamente ligada aos seus movimentos. Quanto existe movimento, acção, o cérebro é estimulado de uma forma diferente do que se a Criança estivesse simplesmente parada, a observar e a ouvir. O cérebro depende de todo o tipo de movimentos para se desenvolver.
Note-se que “movimento” aqui deve ser entendido num sentido lato: não apenas o movimento associado ao saltar, correr, pular. Mas sim movimento também existente quando se treina a motricidade fina. Tudo é movimento.
O Movimento num Ambiente Montessori
A inteligência e a criatividade desenvolvem-se enquanto a Criança explora o mundo, descobrindo por si própria como tudo funciona.
“Um dos mais importantes aspectos práticos do nosso método tem sido o de fazer com que o treino dos músculos entre na própria vida da criança para que se possa conectar intimamente com as suas actividades diárias“.
(A Descoberta da Criança, Maria Montessori).
Uma das características mais marcantes de uma sala de aula Montessori é precisamente a inexistência de cadeiras e mesas para todos os alunos, sendo um modelo totalmente oposto àquele onde as Crianças têm de se sentar na sua mesa, na sua cadeira, simplesmente a ouvir e a observar.
Um ambiente Montessori permite à Criança que se mova livremente, não tendo um lugar específico para se sentar, nem precisando de permissão para se levantar ou escolher a actividade que quer desempenhar em cada momento. As Crianças escolhem o que querem fazer, andam, estão rodeadas de convites e de oportunidades de movimento, seja grosso ou fino, preparam o seu lanche quando têm vontade, movem-se.
Maria Montessori baseou o seu método na premissa de que a aprendizagem está ligada ao movimento. Por exemplo, as Crianças tocam nas Letras de Lixa ao mesmo tempo que ouvem o som da letra, fazem corresponder as cores da Caixa de Cor com objectos que encontram pela sala; pegam e tocam nos Cilindros e na Torre Cor de Rosa, aprendendo subtilmente sobre as diferenças entre tamanho e peso. As Crianças descobrem-se a si próprias e ao mundo movendo-se nele.
Há ainda uma grande valorização do movimento associado a cada período sensível. Como já tivemos oportunidade de referir, o desenvolvimento das Crianças caracteriza-se por momentos de grande necessidade de movimento conforme picos de aprendizagem, de aquisição de conhecimentos, os conhecidos Períodos Sensíveis. Um Período Sensível é uma janela de tempo em que a Criança está habilitada a adquirir conhecimentos sobre determinada área de forma mais inata e fácil. Contudo, para que isto aconteça da forma mais natural possível e com o seu potencial máximo, tem que haver movimento, que, por sua vez, depende da criação de oportunidades adequadas. Por exemplo, dentro do período sensível da ordem, devem estar disponíveis actividades que permitam à Criança treinar, fazer, concretizar, ordenar, mexer em “ordem”.
A Mão como Instrumento da Inteligência
O Ser Humano é o único ser vivo que nasce com movimentos e funções completamente distintas entre os membros superiores e os inferiores. Nos primeiros anos de vida a mão é utilizada com muita frequência, para explorar, agarrar, tocar, não tendo os pés ainda uma função definida, apesar de a Criança os utilizar também como forma de explorar.
Por volta dos doze meses, a Criança começa então a adquirir a habilidade de marcha. Todos os Seres Humanos utilizam os pés para o mesmo, para andar/caminhar. Já com as mãos isto não acontece, cada pessoa utiliza a mão para trabalhos, funções diferentes dependendo das suas aptidões e objectivos. A mão acompanha a inteligência, as emoções e os estados de espírito de cada pessoa.
Tudo isto suporta a importância que se dá aos materiais no Método Montessori, à criação de oportunidades e de um ambiente onde a Criança possa colocar as suas mãos, o instrumento da sua inteligência.
Promover o Movimento – O que fazer?
“A criança pequena é muito voltada para as mãos, e os materiais são concebidos para sua necessidade de aprender através do movimento, porque é o movimento que inicia o trabalho do intelecto.”
(Elizabeth Hainstock Teaching Montessori in the Home)
É certo que no modelo tradicional de ensino presente nas escolas ainda exige das Crianças estarem sentadas, a observar e a ouvir mais tempo do que deviam, não obstante os esforços que se têm sentido por parte da sociedade civil e até mesmo do Governo para contrariar essa tendência.
Além disso, o tempo que as Crianças passam em volta dos equipamentos que fazem parte da Era Tecnológica em que vivemos, caso não seja doseado equilibradamente, poderá condicionar o desenvolvimento do cérebro e reflectir-se em dificuldades de convivência social, para além dos riscos de dependência.
Para as Crianças é fundamental o movimento, as brincadeiras ao ar livre, o trepar, o andar de bicicleta, o saltar, enfim, o mover. É vital, é um imperativo da vida. Pedir a uma Criança que fique quieta, que seja sossegada, oferecer-lhe estímulos para que o movimento se contenha, seja num restaurante, numa festa familiar, em casa, no carro, acaba por ser uma tentativa de sobreposição à própria vida, que lhes exige movimento. É, de facto, difícil para uma Criança não se mover, tal como para nós é difícil não adormecermos no sofá quando temos sono, ou não bebermos água quando temos sede.
- Dançar ao som da música, jogar à apanhada, ir para o parque provavelmente e felizmente fazem parte da rotina de muitas Crianças, e estas actividades musculares de maior tamanho são fundamentais.
- Caminhar com as Crianças, com tempo, ao seu ritmo, ver onde elas nos levam a nós.
- Dar ênfase a um outro tipo de movimento que é essencial para o crescimento e aprendizagem. Podemos, em primeiro lugar, tentar limitar mais ainda o tempo que as Crianças passam à frente de ecrãs. Não restam dúvidas dos malefícios que tem para o cérebro das Crianças. Não há interacção, não há movimento. Não obstante conseguirem manter as Crianças entretidas, e mesmo que sejam de conteúdos educacionais, a verdade é que são hipnóticos e potenciam uma passividade por parte das Crianças que não suporta um desenvolvimento mais saudável. É muito diferente aprender a construir uma torre de blocos na vida real do que a fazê-lo através do toque num ecrã. Uma Criança mais velha embora possa aprender alguma informação através de programas ou aplicações informativas, a verdade é que esta informação apenas se tornará útil quando se conectar com uma concreta experiência.
- Podemos preparar os ambientes de forma a que as Crianças se possam mover o mais livremente possível, de forma segura e com actividades e materiais interessantes à sua vista, para que possa mexer neles sem ser necessário ajuda;
- Envolver a Criança nas actividades domésticas e nos seus cuidados de higiene, de escolha de roupa;
- Quando as Crianças exigem atenção, tentar desafia-las com jogos de movimento: “será que consegues mover aquele camião por todo o hall e sala de entrada, sem tocar em nada, tal como os camiões conseguem fazer?” “Será que consegues encontrar todos os objectos amarelos desta sala?“
Há muito que podemos fazer para criar oportunidades de movimento na vida das nossas Crianças, e responder assim às suas necessidades de desenvolvimento em todos os momentos.
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